Ruptura
Passadas exhibition
Apresentação
O modernismo de ruptura no Brasil
Em 9 de dezembro de 1952 foi inaugurada no Museu de Arte Moderna de São Paulo a primeira mostra do grupo Ruptura – núcleo pioneiro do concretismo paulista. No dia da abertura foi também lançado o manifesto homônimo redigido por Waldemar Cordeiro (1925-1973), teórico e porta-voz das ideias do grupo. Conciso, o texto apresentava os novos princípios espaciais, cromáticos e formais que, com rigor inédito na história da arte brasileira, referenciavam o sentido e o âmbito da ruptura proposta por seus signatários – Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar, Luis Sacilotto e Anatol Wladyslaw –, aos quais se somaram, posteriormente, Hermelindo Fiaminghi, Judith Lauand e Maurício Nogueira Lima.
Listados no manifesto, seus adversários artísticos integravam tendências, cuja aparente modernidade ocultava a incompreensão do novo, posto que produziam “formas novas de princípios velhos”. Tais tendências compreendiam “todas as variedades e hibridações do naturalismo; a mera negação do naturalismo, isto é, o naturalismo ‘errado’ das crianças, dos loucos, dos ‘primitivos’, dos expressionistas, dos surrealistas, etc... e o não-figurativismo hedonista, produto do gosto gratuito, que busca a mera excitação do prazer ou do desprazer”.
Havia nessa variada enumeração um dado dissonante da lógica dos diversos manifestos das vanguardas europeias que inspiravam o grupo. O rompimento proposto no manifesto paulistano abrangia um período histórico incomparavelmente maior que o de seus similares europeus, já que não impugnava somente seu adversário contemporâneo (neste caso o abstracionismo informal), mas todas as tendências figurativas que haviam dominado, por séculos, a arte brasileira.
Tal simultaneidade de tendências – de períodos históricos diversos −, com as quais então se rompia num único manifesto, revelava os limites de nosso modernismo inicial que, ao contrário de seus similares do velho continente, não promoveu um corte, espacial ou discursivo, com os princípios da arte clássica, nem gerou qualquer ismo − fator que emprestava sentido radical, inédito e único, à ruptura capitaneada por Cordeiro.
Processos de modernização efetivamente fundados no paradigma europeu da ruptura foram raríssimos − exceções e não regra −, mormente se considerarmos as experiências de modernização inconclusas da América Latina, Ásia e África. No entanto, a atual impugnação teórica e política de paradigmas (como ruptura e universalidade) não deve ser projetada sobre contextos sociais que, no passado, pretenderam implantá-los no Brasil. As questões então propostas eram de outra ordem, mais profunda e radical: romper com traços do passado colonial que impediam a modernização efetiva da arte brasileira e, em suma, do próprio país.
Em pouco mais de duas décadas de intensa produtividade inventiva, Waldemar participou decisivamente da implantação e da consolidação das vanguardas paulistana e brasileira e promoveu a ruptura (fundada nos princípios autorreferentes propostos pela arte concreta) com o modernismo figurativo brasileiro da primeira metade do século XX. Contribuiu, também, para a integração teórica e prática entre arte, paisagismo, planejamento urbano, crítica de arte e política e para o debate crítico com a vanguarda concretista carioca do grupo Frente, embrião do neoconcretismo. Na década de 1960, o artista aproximou-se da virada neo-figurativa em expansão mundial. Entre 1968 e 1973 dedicou-se prioritariamente à investigação da arte computacional.
Tal renovação tornou-se, portanto, fundamental para a construção de repertórios importantes (a ela opostos ou dela derivados), e assimilados pela trama experimental que frutificou e desdobrou-se em questões que hoje configuram o vasto, multifacetado e complexo campo da produção artística contemporânea brasileira.
Fernando Cocchiarale
No início dos anos 1950, a cidade de São Paulo, em ritmo de industrialização e crescimento urbano acelerados, encontrava-se num período de intensa movimentação cultural, impulsionada principalmente pela inauguração recente de dois importantes museus que destacavam a arte moderna e pela criação da Bienal Internacional de São Paulo. A disputa entre figuração e abstração na arte é então motivo de acalorados debates. Nesse contexto, um grupo de jovens artistas reuniu-se em torno da defesa da abstração e organizou, em dezembro de 1952, uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, acompanhada pela publicação de seu manifesto, ambos sob o título de Ruptura.
Geraldo de Barros, Waldemar Cordeiro, Luiz Sacilotto, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Leopold Haar e Anatol Wladyslaw assinavam o manifesto, que afirmava a “renovação dos valores essenciais da arte visual (espaço-tempo, movimento e matéria)” e apresentava o seu lema: “a obra de arte não contém uma ideia, é ela mesma uma ideia”. Declarando sua posição radicalmente de vanguarda, esses artistas – aos quais, nos anos seguintes, se juntaram outros como Judith Lauand e Hermelindo Fiaminghi – passaram a desenvolver um programa estético de linhagem construtiva, explorando relações restritas de cores puras e ritmos com base em alinhamentos, polaridades, progressões e deslocamentos, inspirados sobretudo na “lógica interna de desenvolvimento e construção”, definida por Max Bill (que havia exposto em São Paulo e, na época, diretor da Escola Superior da Forma, em Ulm, descendente da Bauhaus). Suas obras procuram não a revelação imediata, mas a inteligência da nossa percepção no jogo contínuo entre o todo e as partes.
Sob a denominação de arte concreta, essa produção estruturou-se em princípios teóricos claros e numa prática que, daí em diante, manteve no horizonte a intervenção do artista no cotidiano da vida social. Como se pode ver nesta exposição, isto se daria através de desenhos, pinturas, esculturas, objetos ou fotografias, mas também por sua atuação no design de móveis, na comunicação visual, nos projetos de arquitetura e paisagismo, investindo na articulação produtiva entre arte e indústria, num momento de otimismo em que o Brasil estava empenhado em se modernizar.
Mesmo não se concluindo, a aposta utópica desses artistas fez história, representando uma verdadeira virada qualitativa na produção e na discussão da arte feita no país, dando lugar a desdobramentos importantes, entre eles o neoconcretismo, que renovaram a sua pergunta sobre como e para quem a arte se faz.
João Bandeira
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