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Pablo Lobato pesquisa por toda a parte, tem um modo de olhar em profundidade, sem ignorar as superfícies. Suas escolhas envolvem o sentido do tato, a preferência pelas coisas ordinárias, pois é preciso estar com as mãos no mundo “para aprender a colaborar com as forças disponíveis”. Qual é a natureza da matéria? Como as fibras se rompem? O procedimento do corte é, talvez, o mais insistido pelo artista – separar para unir, cortar para seguir. Na inserção de fissuras se expressa a passagem do ar. O “dar a ver” é uma provocação sensível, um desvio de função, um vazio instaurado. A qualidade gestual do corte varia no fazer da obra, mas há o constante propósito de liberar sensações latentes. Aspectos da fotografia, da pintura, do desenho e da escultura se alternam no espaço da Galeria. Em “Graças a Dedos”, Pablo mostra 14 obras instaladas como um corpo único.
As frutas da série “Muda” são escolhidas pelos volumes, texturas, linhas e cores. Cada anatomia sugere o gesto da mão que penetra e retira sementes, deixando aberto o oco restante. Um conjunto de frutas rompidas é fotografado. No espaço entre o vidro e a impressão são dispostas as sementes, já desidratadas. A presença delas gera um caráter único, latente, que subverte a reprodutibilidade própria à linguagem fotográfica. Moldura e vidro também são elementos em obra no arranjo das relações.
Na série “Versus”, Pablo pinta duas tiras de moshi, um tecido natural, confeccionado artesanalmente por mulheres sul-coreanas. Depois da pintura, ele desenha os cortes com golpes de um martelo arredondado, para liberar as formas do tecido. As tiras são sobrepostas verticalmente e o corte entrega sua forma decaída, revelando o verso, antes oculto. Essas pinturas-relevo são montadas a uma certa distância da parede branca, tornando sensível a passagem do ar, os valores de luz e as tramas do moshi.
Na obra “Paralelas” há uma paridade transitória entre madeira e metal. Há anos Pablo garimpa hastes de pinus em prateleiras de lojas. Ele busca, precisamente, as mais tortas. Uma dessas peças foi escolhida como modelo de “desobediência” ao corte reto para ser fundida em bronze. Quando as hastes são instaladas na parede, a estabilidade do metal contrasta com a impermanência da madeira que, submetida à variação da umidade no ar, modifica-se no alongamento e na contração de suas fibras.
Os móbiles da série “Ah!” são feitos em poucos gestos: um feixe de cobre em seu envoltório plástico recebe um único talho, cortante e preciso, desprendendo parcialmente a camada fina do metal rosado. Na separação dos elementos, o vértice é erguido, suas arestas se afastam como pernas abertas. Acontece a curva, o corte, a dobra da letra suspensa por um único ponto a contemplar o desprendimento da escultura em uma dança giratória.
Há proximidade entre o empenho e a entrega, entre o esforço e o contentamento. As graças se dão enquanto os dedos se alongam na extremidade do corpo. Nessa aliança, a mão desarma distâncias e se articula em modos de estar no mundo sem fixar pares opostos. Conjugam-se vida e morte, interior e exterior, frente e verso, opacidade e transparência, peso e leveza, estabilidade e instabilidade – atributos sensivelmente próximos em “Graças a Dedos”, terceira exposição individual de Pablo Lobato na Luciana Brito Galeria.
Julia Panadés
Primavera de 2021 -
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Interior e exterior, frente e verso, opacidade e transparência, peso e leveza, estabilidade e instabilidade, vida e morte são atributos em aliança, sensivelmente mais próximos do que na dualidade em que parecem existir. “Graças a Dedos”, título da terceira exposição individual de Pablo Lobato na Luciana Brito Galeria, é um trocadilho que aponta para a coexistência entre o sagrado e o profano, anunciando gestos que desarmam distâncias. Assim, como num entendimento do Zen Budismo, onde “lavar uma tigela não é algo distante da experiência mística, podemos estar com as mãos no mundo não para o controlar melhor, mas para aprender a colaborar com as forças disponíveis. O olhar em profundidade, sem ignorar as superfícies, permite que as coisas nos iluminem”.
O apreço às mais diversas materialidades, muitas vezes ordinárias, há tempos orienta a pesquisa artística de Pablo Lobato. O “fazer ver” presente em seu trabalho provoca um despertar sensível e uma liberação de sentidos. Um dos procedimentos adotados pelo artista é o corte, a inserção de fissuras, o gesto de separar para unir. Como um desdobramento de suas pesquisas anteriores, a mostra “Graças a Dedos” reúne 14 obras inéditas, autônomas, instaladas no espaço da galeria como um corpo uníssono. Aspectos da fotografia, da pintura, do desenho e da escultura estão inseparavelmente presentes. Tudo parece ressoar, numa relação colaborativa entre materiais, linguagens, espaços e tempos.
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Moshi é um tipo de tecido de fibra natural confeccionado à mão, lentamente, por mulheres sul-coreanas. O artista conheceu esse material durante sua residência no país em 2016 e desde então passou a utilizá-lo, como podemos ver na série “Versus” (2020-2021), apresentada pela primeira vez. Pablo escolhe e pinta duas tiras de moshi, depois desenha os cortes com golpes de um martelo arredondado, que libera as formas no tecido. As tiras são sobrepostas e evidenciam textura, transparência e cor. Essa ação funciona como um abrir de janelas, permitindo o desprender do verso, antes oculto. Como pinturas-relevo, os “Versus” #1, #2, #3, #4 e #5 são instalados na galeria por meio de um dispositivo transparente que produz uma flutuação, permitindo o envolvimento da parede e da luz no jogo da percepção.
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Na obra “Paralelas” (2021), bronze e madeira apresentam, de forma silenciosa, a noção de impermanência. O tronco de Pinus, ao passar pelo corte preciso do maquinário das indústrias, é retificado em longos e finos paralelepípedos para serem vendidos como “quadrados”. Há anos, Pablo garimpa peças em prateleiras de lojas, mas sempre buscando aquelas que, sob o efeito do tempo, encontram-se retorcidas. Uma dessas peças foi escolhida como modelo de “desobediência” ao corte reto, copiada e fundida em bronze. Lado a lado, fixadas na parede, bronze e madeira se espelham. A oscilação da umidade do ar movimenta as fibras da madeira, que se alongam e se retraem. Na paridade com o bronze, o ir e vir, quase invisíveis, revelam-se ao olhar.
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A cesárea minimamente invasiva, técnica realizada com o bisturi e com os dedos, através da atenção à natureza dos tecidos do corpo, promove uma melhor e mais rápida recuperação das mães recém operadas. Essa analogia é usada por Pablo para tratar de um certo modo de cortar, que em seus trabalhos evoca uma energia feminina por meio dos gestos menos impositivos e mais acolhedores, gerando linhas orgânicas e aberturas. Assim também acontece com a série “Ah!” (2021), onde a simplicidade e a complexidade formais andam juntas. Um fio de cobre encapado por plástico verde recebe um rasgo longitudinal, calculado, desprendendo o feixe de metal rosado de sua haste. A separação dos elementos díspares reformula o objeto, que agora se mostra numa tridimensionalidade autônoma e viva. Suspensa e instalada por um único ponto, a escultura ganha movimento.
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Pablo Lobato: Graças a Dedos
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