Rochelle Costi: A casa como laboratório

A casa é o eixo conceitual desta exposição dedicada à obra de Rochelle Costi (1961-2022), figura central da fotografia brasileira contemporânea. Na obra de Costi, a casa não se reduz a um mero espaço físico ou a uma noção nostálgica de lar: é um território simbólico e um dispositivo de pesquisa, onde se entrelaçam as dimensões material, social, afetiva e estética. A artista transforma o ambiente doméstico em um laboratório de descobertas, desmantelando hierarquias perceptivas e revelando no cotidiano um campo fértil para a exploração artística.

 

Desde os cômodos retratados em Quartos - São Paulo (1998), passando pelas maquetes da Casa Própria (1999), até as intervenções espaciais de Residência (2010) e as atmosferas suspensas de Casa da Ilha - Sala (2017), Costi constrói uma arqueologia visual do doméstico. Sua atenção meticulosa aos detalhes e aos objetos mínimos alinha-se à noção do infra-ordinário, elaborada pelo escritor francês Georges Perec em seu texto  Approaches de quoi?, logo publicado em Lo Infraordinario, onde ele reflete sobre os usos, as dimensões e as camadas simbólicas dos ambientes cotidianos. Rochelle aborda o espaço doméstico como um arquivo de memórias, tensões e desejos, submetendo-o a um processo de releitura crítica e poética — assim como Perec faz em La vida: Instrucciones de uso, quando percorre, quarto por quarto, um edifício fictício para revelar um inventário de histórias entrelaçadas. Em ambos, o gesto de inventariar o lugar-comum não busca esgotar seu significado, mas multiplicá-lo.

 

Esta exposição na Luciana Brito Galeria traça um percurso por algumas das inúmeras séries que a artista apresentou ao longo dos 24 anos em que trabalhou com a galeria. Com uma seleção de obras de 1998 a 2021, a mostra não pretende ser uma homenagem nostálgica à sua ausência, mas sim um reconhecimento de sua trajetória e, sobretudo, uma oportunidade de evidenciar a vigência e a profundidade de seu olhar. Em uma época em que a casa é redefinida — como refúgio, fronteira ou espaço de isolamento — a obra de Rochelle Costi convida o espectador a repensar o morar, a perceber no doméstico um território complexo e polissêmico, e a descobrir, no lugar-comum, um espaço de resistência, invenção e deslumbramento.

 

 

The house serves as the conceptual axis of this exhibition dedicated to the work of Rochelle Costi (1961–2022), a central figure in contemporary Brazilian photography. In Costi’s work, the house is neither reduced to a mere physical space nor to a nostalgic notion of home: it is a symbolic territory and a research device, where material, social, emotional and aesthetic dimensions are interwined. The artist transforms the domestic environment into a laboratory of discoveries, dismantling perceptual hierarchies and revealing in the everyday a field for artistic exploration.

 

From the rooms captured in Quartos - São Paulo (1998), through the scale models of Casa Própria (1999), to the spatial interventions of Residência (2010) and the suspended atmospheres of Casa da Ilha - Sala (2017), Costi constructs a visual archaeology of the domestic. Her meticulous attention to detail and to minimal objects aligns with the notion of the infra-ordinary, elaborated by Georges Perec in his text Approaches to what?, published later on in The Infra-ordinary, where he reflects on the uses, dimensions and symbolic layers of everyday environments. Rochelle approaches the domestic as an archive of memories, tensions and desires, subjecting it to a process of critical and poetic rereading, much like Perec in Life: A User’s Manual, where he tours a fictional building room by room to unfold an inventory of interwoven stories. In both cases, the act of cataloguing the ordinary does not aim to exhaust its meaning, but to multiply it.

 

This exhibition at Luciana Brito Galeria traces a path through the many series that the artist presented during her 24 years of collaboration with the gallery. With a selection of works ranging from 1998 to 2018, this exhibition is not intended as a nostalgic tribute to her absence, but as a recognition of her artistic journey—and above all, as an opportunity to highlight the enduring relevance and depth of her vision. At a time when the home is being re-signified as a refuge, a frontier or a space of isolation, Rochelle Costi’s work invites viewers to rethink what it means to dwell, to perceive the domestic as a complex and polysemic territory, and to discover in the everyday a space for resistance, invention, and amazement.

A obra de Rochelle Costi trata da memória afetiva. Essa que normalmente levanta a poeira do nosso subconsciente, acionada por um dispositivo: a imagem. Sua pesquisa parte de seu próprio repertório imagético, para então ser formalizada através da técnica apurada da fotografia, vídeos e instalações. O colecionismo e a fotografia não apenas se complementam, como também se fundem, levando o espectador a um confronto íntimo com esse universo, que passa a ser comum a todos.

 

Obteve formação em Comunicação Social pela PUC-RS e especialização pela Saint Martin School of Art e Camera Work, em Londres. Dentre os espaços em que apresentou mostras individuais estão: Casa do Povo, São Paulo, Brasil (2024); Solar dos Abacaxis, Rio de Janeiro, Brasil (2023); Estúdio Extraordinário, Itú, Brasil (2023); Oficinas Culturais Oswald de Andrade, São Paulo, Brasil (2021); The Photographer’s Gallery, Londres, Inglaterra (2016), Museu de Arte Moderna - MAM, São Paulo (2010); Centro Cultural São Paulo – CCSP, Brasil (2009); Museu da Imagem e do Som, São Paulo, Brasil (2008) e Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil (2005). Entre as exposições coletivas mais significativas estão a BienalSur, Brasil e Argentina (2023); Casa do Parque, Brasil (2023); Solar dos Abacaxis, Brasil (2023); Museu da Imagem e do Som-MIS, São Paulo, Brasil (2022); Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil (2023 e 2020); III Beijing Photo Biennial, Beijing, China (2018); Museu de Arte de São Paulo - MASP, Brasil (2018); Bienal de la Paiz, Guatemala (2016); Somerset House, Londres, Inglaterra (2012); a 11^th International Architecture Exhibition, Veneza, Itália (2008); 24^a Bienal de São Paulo, Brasil (2010 e 1998); Bienal de Cuenca, Equador (2009); XXVI Bienal de Pontevedra, Espanha (2000); Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha (2000); II Bienal do Mercosul, Porto Alegre (1999); 6ª e 7ª Bienal de Havana, Cuba (1997 e 1999); II Tokyo Photography Biennial, Japão (1997). Seus trabalhos fazem parte de acervos como Cisneros Fontanals Art Foundation (EUA), Instituto Inhotim (Brasil), MASP (Brasil), MAM-SP/RJ (Brasil), Pinacoteca do Estado de São Paulo (Brasil) e Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig (Áustria), entre outros.

 

 

Rochelle Costi's works deals with affective memory – that which normally stirs up the dust in our unconscious, activated by a device: the image. Her research is based on her own image repertoire, to then be formalized through refined photographic technique, videos and installations. Collecting and photography not only complement one another, but are also merged in her work, bringing the spectator to an intimate confrontation with this universe, which becomes shared by everyone.

She holded a BA in social communication from PUC-RS, and a specialist degree from Saint Martin School of Art and Camera Work, in London. Among the venues that she held solo shows include Casa do Povo, São Paulo, Brazil (2024); Solar dos Abacaxis, Rio de Janeiro, Brazil (2023); Estúdio Extraordinário, Itú, Brazil (2023), Oficinas Culturais Oswald de Andrade, São Paulo, Brazil (2021); The Photographer’s Gallery, London, England (2016); the Museu de Arte Moderna (MAM), São Paulo (2010); the Centro Cultural São Paulo (CCSP) (2009); the Museu da Imagem e do Som, São Paulo (2008); and Instituto Tomie Ohtake, São Paulo (2005). She has participated in many significant group shows, held at venues that include the BienalSur, Brazil and Argentina (2023); Casa do Parque, Brazil (2023); Solar dos Abacaxis, Brazil (2023); Museu da Imagem e do Som-MIS, São Paulo, Brazil (2022); Pinacoteca de São Paulo (2023 and 2020), the Museu de Arte de São Paulo (Masp) (2018); Somerset House, London, England (2012); and the Centro de Arte Reina Sofía, Madrid, Spain (2000). Group shows she has participated in include most notably the III Beijing Photo Biennial, Beijing, China (2018); the Bienal de la Paiz, Guatemala (2016); the 11th Venice Architecture Biennale, Italy (2008); the 24th and 29th editions of the Bienal de São Paulo (2010 and 1998); the Bienal de Cuenca, Ecuador (2009); the XXVI Bienal de Pontevedra, Spain (2000); the II Bienal do Mercosul, Porto Alegre (1999); the 6th and 7th editions of the Bienal de Havana, Cuba (1997 and 1999); and the II Tokyo Photography Biennial, Japan (1997). Her artworks figure in prominent collections, including those of the Cisneros Fontanals Art Foundation (USA), Instituto Inhotim, Masp, MAM-SP/RJ, the Pinacoteca de São Paulo, and the Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig (Austria).