• Entrevista com Regina Silveira

    Por Tatiana Gonçales - 14.02.2025

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    Luciana Brito Galeria
    Sua carreira como artista começou há mais de 65 anos. Como foi?
     
    Regina Silveira
    Oficialmente, minha carreira como artista profissional começa com a minha primeira exposição, com 17 anos, em 1957, quando eu ganhei um prêmio de aquarela da Aliança Francesa, em Porto Alegre. Então, fui convidada a fazer uma exposição individual. Esse poderia ser um começo oficial, só que para ganhar um prêmio de aquarela significa que eu já estava na estrada há algum tempo. Depois, eu fui estudar artes na universidade e acho que isso pode contar como um outro começo. Claro que, previamente, eu já executava pinturas e desenhos, estudos particulares, porque eu sempre busquei esse caminho.
     
    LBG
    Já era uma coisa que você trazia desde sempre, pelo que eu entendo.
     
    RS
    É, acho que sim. Isso foi um começo de carreira, que depois se estendeu durante alguns anos, com trabalhos de ilustrações para jornal, pinturas, desenhos. Minha carreira como docente na universidade também começa muito cedo, antes de 1960, ou nos anos 1960 mesmo. Eu acho que são os primeiros passos de uma Regina que depois se transformou profundamente nos anos 1960 e 70. Então, a carreira é comprida, é difícil olhar para trás e me reconhecer em cada etapa.
     
    LBG
    Você já respondeu um pouco a segunda questão, que é como você definiria o seu trabalho nesse início.
     
    RS
    No início, eu entendia a arte como expressão. Depois, isso mudou. Mudou bastante em atitude, pensamento, mas, naquele momento, o mundo visível era o meu motivo. Eu fazia gêneros de paisagem. O meu estudo foi um estudo acadêmico, no melhor sentido, e no sentido mais restrito também. Você tinha que se dirigir ou à pintura ou à escultura. Até a gravura era considerada uma arte menor, tanto que não se ensinava a gravura na universidade. Assim era o ensino acadêmico tradicional. E que foi revolucionado por um curso do Iberê Camargo, que acentuou outras características do meu trabalho no início dos anos 1960. Então, todo esse capítulo antecede a minha primeira viagem para a Europa, em 1967, com uma bolsa de estudos do Instituto de Cultura Hispânica, que eu ganhei para estudar pintura na Escola de São Fernando, em Madri.
     
    LBG
    Você ficou quanto tempo na Espanha?
     
    RS
    Um ano e meio, mas não propriamente na Espanha, porque eu viajei pela Europa depois de cumprir com o programa da bolsa, que eu modifiquei. Eu visitei a Escola de São Fernando e vi os alunos saírem com pinturas embaixo do braço. Eu achei que eu não tinha nada a ver com aquele mundo mais e me inscrevi num curso de História da Arte na universidade, que depois foi ministrado no Museu do Prado.
     
    LBG
    Seu trabalho foi seguindo o fluxo do que vinha acontecendo no contexto dos anos 1960?
     
    RS
    Sim. Ele modfica completamente. Eu abandonei a pintura instantaneamente. Me entendi como um pequeno dinossauro. Por força das novas amizades, da minha admiração por coisas que eu não conhecia, ligadas a um tempo, a um movimento, aos novos instrumentos, e também a uma concepção já conceitual da arte. Eu me tornei amiga de muitos artistas, inclusive do Júlio, que eu conheci lá, e convivia com o Grupo Fluxus. Era outro mundo. Até a Pop Arte, por exemplo, na Inglaterra. Tem um capítulo bem interessante, em que eu mandei um postal para o Iberê Camargo, meu professor e muito amigo. Além da Pop Arte, eu estava vendo também a moda Pop, com as minissaias e tudo mais. Ele guardou. esse cartãozinho postal está lá no Instituto Iberê Camargo até hoje.
     
    LBG
    A mudança aconteceu com a sua ida à Europa? E nessa época o que você produzia?
     
    RS
    Claro. Completamente. Me vi diante de uma nova paisagem das artes. Foi como reaprender. Fazia pequenas colagens, com as quais eu aprendi a linguagem visual. Eram como histórias em quadrinhos de formas.
     
    LBG
    E você voltou ao Brasil no final da década de 1960, foi isso?
     
    RS
    Isso, 1967, 68. Fui chamada por uma boa galeria para fazer uma exposição. Mas não mais com as colagens. A Embaixada do Brasil patrocinou essa exposição. Eu estava em um novo encaminhamento, sem dúvida, voltada para uma visão mais conceitual da arte, que implicava outro tipo de pensamento, que não era só expressão. E que derivou para o meu primeiro uso de materiais industriais. Eu trabalhei, durante dois anos, usando alumínio, aço inoxidável, fazendo não esculturas, mas pequenos objetos, às vezes com movimento.
    Eu estava explorando todas as possibilidades que se apresentavam. E isso perdurou até os primeiros anos da Universidade de Porto Rico, quando eu fui trabalhar a convite de um novo programa que se instalava. Fiquei por um ano. Eu ainda era contratada da Universidade do Rio Grande do Sul. Permaneci quatro anos e me desliguei da universidade, pensando que ia ficar toda a vida. E lá, de novo, o meu caminho se modificou, porque eu comecei a entrar, de repente, nessa cadeia da comunicação, da Mail Art e das trocas comunicacionais de arte. Comecei a aprender os recursos da gráfica industrial. Ou seja, eu já estava inserida na litografia, na gravura, xilogravura, previamente com o Marcelo Grassmann, com o Francisco Stockinger, no Brasil, mas eu nunca tinha aprendido, por exemplo, a trabalhar com offset. Então, a universidade montou uma gráfica e tivemos que aprender, eu e o Julio, a imprimir offset, especialmente pra fazer um catálogo de arte postal, que hoje em dia é reconhecido como o primeiro catálogo de arte postal.
     
    LBG
    Vocês implementaram isso lá na universidade em Porto Rico?
     
    RS
    Sim. Fizemos o catálogo, mas a universidade tinha verba para montar uma gráfica inteira. Eu disse ok, então vamos aprender. E isso me abriu as portas para um campo de trabalho que persiste até hoje, que é o campo da apropriação das imagens prontas, que eu modifiquei criticamente, de muitas maneiras, ao longo do meu percurso.
     
    LBG
    E quando você voltou para o Brasil na década de 1970?
     
    RS
    Eu voltei para o Brasil para ensinar, convocada pelo Walter Zanini e pelo Donato Ferrari, para trabalhar na FAAP e na USP, onde eu transformei o ensino da gravura, complementando com técnicas mais industriais, como já era a serigrafia. Eu a entendia como um campo muito aberto, onde valia tudo, microfilmagem, fotocópia, offset, etc.
     
    LBG
    Foi um momento muito rico no Brasil. Um pouco paradoxal se pensarmos que esse período dos anos 1960 e 70 foi quando aconteceu toda a experimentação em arte no Brasil, em plena ditadura militar.
     
    RS
    A ditadura conseguiu mexer com o sistema, a partir daquela intervenção na Bienal em Salvador. Mas, no geral, a ditadura não tinha repertório para controlar e censurar esse tipo de manifestação. Então, elas passavam, porque a gente apresentava não com retórica, mas com desvios, completamente conceituais. Então, passava limpo. Não era fácil.
     
    LBG
    E sobre os vídeos naquele contexto do MAC dos anos de 1970, 80?
     
    RS
    Eu interrompi esse processo no início dos anos 1980, quando eu tinha o Aster. Eu entendi que não era por aí que eu tinha que caminhar. Porque tinha meus alunos tomando caminhos paralelos ao vídeo, como o Rafael, como o Tadeu Jungle. Então eu entendi que eles tomavam partidos diversos a partir daquela experiência deles com o vídeo naqueles anos. Eu só retomei o vídeo como vídeo instalação, como animação digital, nos anos 2000.
     
    LBG
    O vídeo foi talvez a sua primeira ferramenta tecnológica, ali no final dos anos 1970?
     
    RS
    Sim, mas eu queria dizer que tecnologia existe em tudo. O lápis é uma super tecnologia, sabe?
     
    LBG
    Sim, cada um no seu tempo.
     
    RS
    Cada um no seu tempo e mesmo agora. Mesmo agora os lápis são produzidos como uma super tecnologia. Então eu acho que existe uma apreciação que eu gostaria de corrigir. Eu acho que tecnologia está embutida em tudo. Naquelas experimentações gráficas dos anos 1970, que agora são entendidas como uma base da gráfica industrial, que barateava e dava velocidade à produção e se podia intercambiar com facilidade. Aquelas eram tecnologias tão complexas como as de vídeo. Só que sem a dimensão do tempo.
     
    LBG
    Exato. Mesmo o Xerox na época também.
     
    RS
    Nossa! Uma tecnologia nova. Claro! Eu me lembro exatamente de quando o León Ferrari me mostrou os primeiros resultados de Xerox em alta qualidade gráfica, que eu tenho até hoje. Então, eu acho que foram agregados ao campo de produção de imagens um modo muito peculiar, que eu estive aberta todo o tempo.
     
     
    LBG
    E ao mesmo tempo que tudo isso acontecia, você também seguia com a carreira acadêmica?
     
    RS
    Minha carreira acadêmica durou por muitos anos. Na realidade, me aposentei oficialmente em 1993, mas continuei trabalhando na pós-graduação até 2000. E não foi só ensinar. Eu fui chefe de departamento, participei de diversas comissões junto a órgãos como a CAPES, o CNPQ. Foram os anos em que os programas de arte se definiram e se afirmaram no Brasil. Você tinha que ajudar a configurar esses programas e marcar uma presença dentro desses órgãos, que decidiam sobre a pesquisa, bolsas de estudos etc. Tivemos que formular a pós-graduação, pois ainda não havia. Tudo estava por ser feito nesses anos.
     
    LBG
    Então você também contribuiu para implementar o ensino de arte no Brasil?
     
    RS
    Bastante. Até demais. Eu fui chefe de departamento, participei de todas as comissões, ajudei a formular a pós-graduação, fui um dos primeiros docentes às quais se exigia a pós-graduação, que não estava definida, o que serviu de modelo depois para todo o Brasil. Não havia presença nem sequer na própria universidade para gente de teatro, gente de música, gente de cinema. Precisava formular, precisava provar que tinha pensamento, que tinha pesquisa, que tinha cabeça para competir, às vezes, com um pequeno documento de química ou física.
     
    LBG
    E quando é que você inseriu a arquitetura, o espaço urbano, na sua investigação?
     
    RS
    Não sei dizer exatamente, porque eu sempre estive interessada nesse assunto, como no espaço urbano e no público, ou seja, naquilo que não envolvia o público específico da arte. Justamente pela função que a arte tem de poder transformar a experiência do mundo. Então, sempre estive interessada, no começo, por fazer obras na rua, como outdoors. Me lembro quando fiz meus outdoors, acho que foi na década de 1980[1] . E tenho uma experiência muito curiosa de trabalho junto ao público, que eu mesma não entendia o que estava fazendo. Era por impulso. E já mostraram na galeria, por exemplo, uma receita de pudim da arte brasileira. Era muito complexo o entendimento daquela receita e a transposição para o que eu estava criticando na arte e na política brasileira. Mas eu não sabia como tornar isso público, então fui imprimir uns 500 exemplares em fotocópia e fui para a saída do metrô na Praça da Sé, onde eu distribuí para as pessoas que saíam da escada rolante. Não sei o que as pessoas pensaram disso até hoje. Mas logo eu pude participar, também nos anos 1980, daquele Festival das Mulheres nas Artes, onde eu convoquei minhas alunas, como a Ana Tavares e a Leda Catunda. Depois participei daquele programa do Painel Arte Acesa, que foi o primeiro painel eletrônico em São Paulo. Eu sempre estive interessada em enxertar esse tipo de provocação no meio urbano. Eu fiz também o projeto Pronto para Morar. Tudo isso se antecedeu à minha relação com o espaço arquitetônico, com intervenções sobre arquitetura, que começaram nos anos 1990, quando eu fui chamada para operar dentro daquilo que eu entendi depois como uma gráfica expandida. Uma gráfica que não necessariamente estava no papel, mas revestia os espaços arquitetônicos.
     
    LBG
    Foi uma pesquisa que começou dentro da universidade e se estendeu para os espaços museológicos?
     
    RS
    Não acho que tenha começado dentro da universidade, não. Eu acho que começou no ambiente das artes, nacional e internacional. Mas eu acho que o que marcou profundamente o meu salto para essas ocupações maiores foi a minha passagem para os recursos digitais, no final dos anos 1990.
     
    LBG
    Passou a otimizar todos esses processos.
     
    RS
    Exato. E trabalhar com uma família de signos que podiam ser repetidos e se adaptar às diversas situações, com tecnologias simples e conhecidas internacionalmente. Então abriu-se um campo, abriu-se a porteira.
     
    LBG
    Isso até vem de encontro com a minha próxima pergunta, que é perguntar sobre os processos de produção.
     
    RS
    Eu sempre me interessei pelos meios e fui classificada como artista multimídia nos anos de 1970, o que tinha outro significado do que tem agora. Mas eu queria deixar bem claro que eu não estou obcecada pelo meio e não sou especialista em nenhum meio. Tanto é que eu me apoio e consulto aqueles que são especialistas para me ajudarem a elaborar o trabalho. Eu escolho o meio de acordo com as ideias, de acordo com a necessidade. E em um clima de abertura. Tudo está acessível. Depende daquilo que eu quero fazer. Mas, na verdade, eu incorporei diversas possibilidades abertas pelos meios, especialmente gráficos e temporais.  como o vídeo, desde os anos 1970. Então, não sei se eu consigo me classificar agora como artista multimídia, mas eu tenho feito coisas que estão dentro da tradição do ilusionismo e da ótica. Não tenho censura. São explorações possíveis, como o recente vídeo mapping que eu fiz no sul da França, em que eu botei fogo e inundei um aqueduto romano, fazendo uma espécie de pilha histórica em que o tempo milenar daquela ruína se soma às previsões do futuro, que não são nada boas, não é? Previsões climáticas catastróficas. Então, achei que era um discurso possível e que esse era o meio adequado para isso.
     
    LBG
    E sobre essa obra dos anos de 1990 que você vai reproduzir agora na Luciana Brito Galeria? Fale um pouco sobre ela.
     
    RS
    Essa é uma outra longa história. Começa com a minha preocupação com a efemeridade do trabalho, já em 1983, quando eu fiz a instalação “In Absentia”, um trabalho pintado nas paredes e em painéis. E uns meses depois eu vi os pedaços desses painéis numa feira de carros. Eu levei um choque, porque eu fui ao edifício onde estava o Museu de Arte Contemporânea e tinha uma feira de carros. Eu disse, não pode ser assim! O trabalho tem que perdurar. Eu não tinha acesso à ideia de permanência, que é fornecida pelos arquivos digitais, que podem ser refeitos, reproduzidos. Então, nos anos de 1990, quando eu fui provocada por uma abertura de possibilidades por uma galeria de Nova York, que era uma galeria muito experimental, que abrigava performances e obras bastante conceituais, eu imaginei fazer essa obra que eu agora estou refazendo lá na galeria, que é uma correção virtual do espaço que tem um ângulo agudo, ou seja, um triângulo. A planta é um triângulo, corrigida virtualmente por quem chega em um determinado lugar. Mas na época eu propus pintar, pois não tinha outra maneira de fazer, então, claro que não pude fazer. Agora eu posso fazer. Claro que eu tive que introduzir mudanças, porque não é a mesma coisa, não são as mesmas medidas, o lugar de olhar é outro.
     
    LBG
    E você se lembra, Regina, da primeira vez que você fez um trabalho em vinil adesivo? Quando se deu essa transição?
     
    RS
    Eu me lembro, sim. Acho que o trabalho de transição foi aquela instalação que eu fiz no Museu de San Diego, que se chamou “Gone Wild”, em que eu usei as pegadas de coiote, que é um animal típico daquela região e como são chamados os imigrantes que cruzam ilegalmente a fronteira. Então eu fiz uma escapada dos coiotes. Eu já tinha feito introduções pontuais no mundo digital, na verdade, desde 1991, com a ajuda do Ronaldo Kiel, um ex-aluno, que trabalha no Brooklyn College. Ele me ajudou a fazer a obra “Encuentro", com aquelas sombras gigantes de objetos cortantes e perigosos, atreladas a um grupo de políticos, pequeno, central. Ele me ajudou a fazer isso para vencer a dimensionalidade da obra que me pediam, pois era uma obra de nove metros, feita à distância. O Ronaldo me ajudou a fazer as camadas de pegadas de coiote, que eu imprimi sobre papel e recortei, e tive vários assistentes que me ajudaram a pintar nas paredes. Mas a primeira obra em grande formato digital foi feita para a Bienal de São Paulo, “Tropel", que ficava na fachada, com índices de pegada de animais. Também tem o “Super-herói”, de 1997. Lembro que a do super-herói gigante me deu muito medo durante a execução. Eu ficava na rua olhando para cima, na região da Paulista, e as pessoas, claro, quando veem uma pessoa olhando para cima, param e olham também. Eu fazia que eu não tinha nada a ver com isso, com medo daquele negócio cair de lá.
     
    LBG
    Era um desafio.
     
    RS
    Eram coisas novas também, experiências. Durante o trabalho da Bienal, um curador canadense, que morava na Austrália e viu a execução, me perguntou se eu poderia fazer um trabalho em Ottawa, no Canadá, para uma exposição que celebrava a história da aviação. Eu disse que sim. Então começou uma conversa totalmente nova, com o curador que foi para a Austrália e com o diretor do museu de Ottawa, por e-mail. Acertamos o projeto, que foi realizado com muito sucesso. Esse projeto descortinuou para mim a possibilidade de trabalhar à distância. Foi uma coisa completamente nova para mim. O tanto de controle que eu podia ter e a facilidade de eliminar transporte, seguro, viagens.
     
    LBG
    E quais os outros momentos marcantes na sua carreira?
     
    RS
    Acho que todos foram marcantes. Todos apresentaram um desafio, que tem que vencer, tem que trabalhar em coordenação. Mas um desafio enorme, por exemplo, foi a instalação no Palácio de Cristal, no Reina Sofia. Aquela foi uma queda de braço forte com o edifício, porque era todo transparente, atravessado pela luz, uma estufa tradicional, um prédio preservado. Então, precisei armar um discurso que me levou ao local cinco vezes, para estudar os efeitos dentro do edifício, e tive que modificar todas as minhas escolhas até chegar àquela síntese.
     
    LBG
    Foi como a do Projeto Paradise no aeroporto em Houston, que você acabou de inaugurar?
     
    RS
    Sim. Eu só vi a obra depois de pronta e em uso. Foram três anos de preparo, mas dois terços do trabalho foram realizados no Brasil. A produção em vidro, especialmente, porque eu pude estar perto e ver o que correspondia ao projeto, mas também tive uma colaboração grande da galeria, que me ajudou a preparar tudo, além do transporte de obras, a preparação, o contrato. A estrutura que eu inventei parece leve, transparente, mas ela pesa mais de cinco toneladas. Fizemos uma estrutura de grade metálica forte, capaz de suportar esse pesod, que teve que ser feita junto com o próprio teto do terminal, já que é uma obra permanente. A obra do chão foi a única que foi vista antes pelo Eduardo Verderame, meu assistente, que foi lá para controlar a gradação das cores da obra de cimento líquido, feita localmente. E agora eu consegui ver completamente em uso.
     
    LBG
    Regina, falando agora sobre a parceria com a galeria. Você está praticamente desde o começo da Luciana Brito Galeria, certo?
     
    RS
    Na verdade, começou antes da galeria, porque a Luciana foi minha aluna. Depois eu acompanhei a carreira profissional dela, desde quando ela trabalhava junto a Bienal, junto ao MAC. Depois ela se associou, por um tempo, como ajudante, na galeria da Raquel, que tinha sido minha primeira galerista, nos anos de 1970. Depois ela me ajudou muito na exposição que eu fiz no MASP, quando a minha galerista já era a Luisa Strina. Então, quando ela abriu a galeria na casa dela, ela já tinha me ajudado bastante. E tem sido uma parceria, para mim, muito confortável e carinhosa, porque a Luciana entende tudo. Ela praticamente viu todos os meus trabalhos. Não preciso explicar nada para ela.
     
    LBG
    É sintonia.
     
    RS
    E efetiva colaboração. Ela entende meus projetos, me dá todo o espaço de liberdade que eu preciso e colabora nas mínimas coisas. Ela entende o processo. E é uma coisa de afeto e de apoio também. Ela respeita todas as direções que meu trabalho toma, nas muitas decisões que eu tenho que tomar sozinha. Então, ela é uma parceira.
     
    LBG
    E uma última pergunta: quando você se entendeu uma artista e que seguiria uma vida profissional como artista?
     
    RS
    Na verdade, eu nunca pensei em ser outra coisa. Eu acho que estive direcionada para isso desde que eu tenho consciência. Primeiro, meus pais me encaminharam para um ensino particular com uma professora muito acadêmica. Quando eu tinha uns 12, 13 anos, antes de entrar na universidade. Foi sempre o que eu quis com muita força. Abdiquei de muitas coisas na vida por causa disso, coisas que estavam travando no meu caminho. E tive que aprender muitas coisas. Eu acho que o meu período de formação não foi só durante a universidade, onde eu já trabalhava como assistente, convocada primeiro pelo professor Fahrion, que era um professor muito especial de desenho na universidade, depois pelo Ado Malagoli, que era o meu professor de pintura.
     
    LBG
    Foi uma questão tratada sempre com muita liberdade. É um certo privilégio poder escolher ser artista num momento tão difícil. Se é difícil hoje, imagine naquela época.
     
    RS
    Eu fui uma artista que até me alistei, sabia? Na primeira vez, com o movimento de golpe militar, que foi aquele em que o Brizola apoiou a volta do Jango pro Brasil, houve um convocatório de artistas para pintar umas espécies de faixas ou bandeiras para as passeatas que se organizaram. Eu me alistei. Todos os artistas se alistaram. Eu me lembro sempre das fichas que a gente tinha que preencher. Se você sabia atirar, eu disse que sim. Se você sabia nadar, eu disse que sim. Eu passava com a minha maletinha de pintura…
     
    LBG
    Era essa a sua arma.
     
    RS
    Era a minha arma. E os artistas estavam lá todos reunidos. Isso foi em 1961. Em 1964 não teve jeito. Foi muito rápido aquele golpe. E no meu passeio pelo mundo, eu também vivi vários momentos difíceis, como a ditadura de Franco. E nos próprios Estados Unidos, que tinha a questão da Guerra do Vietnã, que afetava a todos nós. No próprio campus tinha o serviço militar. E muitos conflitos. Conflitos de invasão, de gás no campus. Houve uma morte também. Estive aberta a todas essas transformações. E foi quando eu conheci a Liliana.
     
    LBG
    A Liliana mencionou na entrevista que foi você que a apresentou a Luciana.
     
    RS
    Foi. Eu convivi bastante com a Liliana. Eu conheci a Liliana e o Camnitzer quando eu estava trabalhando na universidade. Acho que era no Brooklin, quando eu fui para Nova York nas primeiras vezes. E depois, nos anos de 1990, quando eu ganhei a Bolsa Guggenheim. Há grande admiração e empatia da minha parte com o seu trabalho. Vai ser uma alegria encontrá-la.