Cem Anos de Waldemar Cordeiro

Galeria Luciana Brito, São Paulo, 2025

Talvez o que melhor define o aspecto transdisciplinar e visionário da obra de Waldemar Cordeiro seja sua incursão no campo da arte computacional, na virada para os anos 1970. Para isso, ele desenvolveu uma “nova gramática visual”, uma maneira de expandir a lógica construtiva do concretismo para um ambiente regido por códigos e variáveis. No entanto, até de forma paradoxal, pela primeira vez ele optou por humanizar o discurso visual, trazendo a figura humana para sua pesquisa, além do uso e funcionalidade do computador. Waldemar Cordeiro foi o primeiro artista brasileiro — e um dos pioneiros no mundo — a utilizar o computador como ferramenta criativa, numa época em que o acesso a essas máquinas era restrito a instituições acadêmicas e centros de pesquisa.
Destaque na mostra, obras da série Gente (1972-1973) foram realizadas a partir da apropriação de uma imagem de multidão. Com a ajuda de Giorgio Moscati, do Departamento de Física da USP, Waldemar Cordeiro criou uma metodologia própria, onde utilizava elementos figurativos de fotografias como objetos para experimentações visuais. Depois de passar por digitalização, essas imagens eram convertidas em dados numéricos (tramas gráficas). Essas tramas poderiam ganhar mais ou menos saturação por meio da programação algorítmica, desenvolvendo nuances que podem ser identificadas nos diferentes graus atribuídos à série pelo artista. A exposição apresenta também Massa sobre indivíduos (1964), obra emblemática realizada a partir da imagem original da série Gente.

 

A investigação com computador inscreve Waldemar Cordeiro em uma genealogia nacional e internacional da arte, não apenas pelo experimentalismo formal e quebra de paradigmas na criação e produção da arte, mas também como um ato político e social. Em 1971, a exposição internacional de arte de computador, Arteônica, organizada por ele, estabeleceu definitivamente o uso das novas mídias eletrônicas na produção artística. O termo foi justamente criado pelo artista para unir arte e eletrônica e é atualmente o único que contempla plenamente todas as fases do uso da eletrônica na história da arte. Inserido no contexto brasileiro de modernização,
ele entendia que essas novas tecnologias poderiam transformar não só a arte, mas a própria experiência coletiva, abrindo caminhos para novos modos de imaginar e projetar o mundo. Waldemar Cordeiro, dessa forma, antecipou as práticas que hoje reconhecemos como parte do campo da arte generativa, ressoando inclusive com produções contemporâneas de programação criativa e inteligência artificial.