Erika Malzoni | Expressura

31 Agosto - 26 Outubro 2019
Apresentação
A estética do reconhecimento de Erika Malzoni
  
Não há coisa alguma que não carregue em si a potência da linguagem.
Jacques Rancière
 
Não o sabemos, porque não podemos, mas todos pressentimos que muito se esconde na mudez do mundo. Da mesma forma como o irracional atua sobre aquilo que chamamos de razão, contaminando com o indizível nossas palavras e ações, individuais ou coletivas, também derramamos sobre os corpos – os nossos, os criados, os interpretados – aquilo que não pode levar outro nome senão cultura.
As coisas cotidianas carregam em si, visíveis apenas para os atentos, a história de seu uso e desgaste, de sua morte precipitada, seja pela obsolescência programada, seja pelo desígnio mesmo que lhes coube cumprir – embalagens descartáveis, invólucros temporários, coisas nascidas com o propósito de virar lixo. Agora, neste templo da racionalidade moderna que é a residência projetada por Rino Levi, alguns desses objetos ganham nova vida pelas mãos de Erika Malzoni.
A operação realizada pela artista sobre as coisas do mundo não é de ordem ontológica. Ela não muda a essência dos objetos de que se apropria, não lhes confere um ser além daquele que já possuem. Não há nenhuma metafísica em vigor nas transformações efetuadas por ela sobre o vasto, e subestimado, universo das coisas de todo dia. Seu modo de trabalho – calcado na imanência do ser, dos corpos, da matéria – é, mais que tudo, um procedimento afetivo: o do estabelecimento de uma estética do reconhecimento. A artista reconhece nos objetos aquilo que neles já está posto, mas velado por camadas de preconceitos que cegam olhos menos generosos, e aponta para aquilo que, sendo o mesmo, pode ser outro.
As caixas de remédios e as lâmpadas que já cumpriram seu propósito, ou os cabides que jamais chegaram a encontrar o seu, são encharcados de sua própria história e memória, assim como o é a casa que agora os abriga. Não se vê, aqui, nenhum esforço de apagamento dessas narrativas, e tampouco de sua representação. Ao nos depararmos com esse estranho universo onde a utilidade foi subvertida pela estética, encontramo-nos no reino da apresentação. E é por meio dela que se abre espaço para outras histórias – desta vez, as nossas. Cria-se a possibilidade para que todos nós nos reconheçamos na banalidade daquilo que constitui a pele do mundo e, ao fazê-lo, percebamos as maravilhas poéticas de que toda pele é capaz de criar e sentir.
 
Caroline Carrion
Installation Views