Pablo Lobato | Graças a Dedos
Passadas exhibition
Apresentação
Interior e exterior, frente e verso, opacidade e transparência, peso e leveza, estabilidade e instabilidade, vida e morte são atributos em aliança, sensivelmente mais próximos do que na dualidade em que parecem existir. “Graças a Dedos”, título da terceira exposição individual de Pablo Lobato na Luciana Brito Galeria, é um trocadilho que aponta para a coexistência entre o sagrado e o profano, anunciando gestos que desarmam distâncias. Assim, como num entendimento do Zen Budismo, para o artista “lavar uma tigela não é algo distante da experiência mística, podemos estar com as mãos no mundo não para o controlar melhor, mas para aprender a colaborar com as forças disponíveis. O olhar em profundidade, sem ignorar as superfícies, permite que as coisas nos iluminem”.
O apreço às mais diversas materialidades, muitas vezes ordinárias, há tempos orienta a pesquisa de Pablo Lobato. O desejo de “fazer ver” presente em seu trabalho provoca um despertar sensível e uma liberação de sentidos. Um dos procedimentos adotados pelo artista é o corte, a inserção de fissuras, o gesto de separar para unir. Como um desdobramento de suas pesquisas anteriores, a mostra “Graças a Dedos” reúne 14 obras inéditas, instaladas no espaço da galeria como um corpo uníssono. Aspectos da fotografia, da pintura, do desenho e da escultura estão inseparavelmente presentes. Tudo parece ressoar numa relação colaborativa entre materiais, linguagens, espaços e tempos.
Da série “Muda”, desenvolvida desde 2014, são apresentadas sete obras inéditas. No processo de feitura do trabalho, Pablo Lobato parte da observação, percebe os volumes, linhas, cores e superfícies de pêssegos, melões, ameixas, mamões, maracujás, nectarinas, uvas e cerejas. As anatomias das frutas sugerem o próximo gesto: o artista as penetra com as mãos e retira suas sementes. Com os corpos eviscerados, começa a se definir uma composição a ser fotografada. Nas obras atuais da série há “mais frutas, num ambiente menos cirúrgico do que nas versões anteriores. Elas parecem estar mais à vontade, aquecidas... se aproximam e se tocam”. As sementes in natura, lavadas e desidratadas, são dispostas no espaço entre vidro e impressão. A inserção das sementes atribui um caráter único às composições e subverte algo próprio desta linguagem, a reprodutibilidade. O gesto sensível do artista e, por que não, sensual, rompe, separa, reposiciona e oferece novas relações entre as matérias envolvidas, tornando o suporte (papel, madeira e vidro) não menos importantes no arranjo geral dos elementos.
Moshi é um tipo de tecido de fibra natural confeccionado à mão, lentamente, por mulheres sul-coreanas. O artista conheceu esse material durante sua residência no país em 2016 e desde então passou a utilizá-lo, como podemos ver na série “Versus” (2020-2021), apresentada pela primeira vez. Pablo Lobato escolhe e pinta duas tiras de moshi, depois desenha os cortes com golpes de um martelo arredondado, que libera as formas no tecido. As tiras são sobrepostas e evidenciam textura, transparência e cor. Essa ação funciona como um abrir de janelas, permitindo o desprender do verso, antes oculto. Como pinturas-relevo, os “Versus” #1, #2, #3, #4 e #5 são instalados na galeria por meio de um dispositivo transparente que produz uma flutuação, permitindo o envolvimento da parede e da luz no jogo da percepção.
A cesárea minimamente invasiva, técnica realizada com o bisturi e com os dedos, através da atenção à natureza dos tecidos do corpo, promove uma melhor e mais rápida recuperação das mães recém operadas. Essa analogia é usada por Pablo para tratar de um certo modo de cortar, que em seus trabalhos evoca uma energia feminina por meio dos gestos menos impositivos e mais acolhedores, gerando linhas orgânicas e aberturas. Assim também acontece com a série “Ah!” (2021), onde a simplicidade e a complexidade formais andam juntas. Um fio de cobre encapado por plástico verde recebe um rasgo longitudinal, desprendendo o feixe de metal rosado de sua haste. A separação dos elementos díspares reformula o objeto, que agora se mostra numa tridimensionalidade autônoma e viva. Suspensa e instalada por um único ponto, a escultura ganha movimento.
Na obra “Paralelas” (2021), bronze e madeira apresentam, de forma silenciosa, a noção de impermanência. O tronco de pinus, ao passar pelo corte preciso do maquinário das indústrias, é retificado em longos e finos paralelepípedos para serem vendidos como “quadrados”. Há anos, Pablo Lobato garimpa peças em prateleiras de lojas, mas sempre buscando aquelas que, sob o efeito do tempo, encontram-se retorcidas. Uma dessas peças foi escolhida como modelo de “desobediência” ao corte reto, copiada e fundida em bronze. Lado a lado, fixadas na parede, bronze e madeira se espelham. A oscilação da umidade do ar movimenta as fibras da madeira, que se alongam e se retraem. Na paridade com o bronze, o ir e vir, quase invisíveis, revelam-se ao olhar.
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