Campana | Polifonia Campana
Passadas exhibition
Apresentação
A obra dos irmãos Campana ultrapassa os limites da vida cotidiana e da prática do design. Com capacidade para aventurar-se em outros campos e experimentar novas técnicas, o trabalho da dupla vai do design industrial voltado para grandes marcas internacionais a peças de edição limitada, da pesquisa de materiais a criação de verdadeiras obras de arte. Sua abordagem irracional, aliada a uma visão ética do design, conduz ao uso limitado da tecnologia, privilegiando os materiais reciclados. Aqui, vemos o distanciamento de uma interpretação mais rígida sobre o design, materiais e processos construtivos, o que caracteriza suas produções.
Desde 1984, Fernando e Humberto Campana têm criado produtos icônicos, usando ‘ingredientes’ reciclados e naturais, em um triunfo das formas e cores. Ao considerar a engenhosidade, o uso de tecidos inusitados e bichos de pelúcia reais, um curto-circuito entre função e forma, podemos dizer que a história dos Campana é uma história brasileira, representando, de certa maneira, a fascinante e peculiar mistura de culturas do país. O Estúdio Campana, hoje sediado na área residencial da Vila Anglo-Brasileira, em São Paulo, sempre atribuiu vários significados à palavra 'transformação', convertendo objetos comuns em preciosos. Com este último projeto, intitulado “Polifonia Campana”, estamos testemunhando a transformação de uma coleção de objetos em uma coleção de obras de arte. Pioneiros na reciclagem, reutilização e ressignificação, os Campana sempre revisitaram o sistema de elaboração das suas peças. Então, depois de tantos anos, num cenário totalmente diferente, os irmãos mantêm esta abordagem única de criação de objetos, que agora se apresentam sob o status de obras de arte para a primeira colaboração com a Luciana Brito Galeria.
Essa recente colaboração com a Luciana Brito Galeria é uma experiência nova e a primeira do estúdio com uma galeria de arte contemporânea no Brasil. Para renovar sua programação, a Luciana Brito Galeria mudou-se para a Residência Castor Delgado Perez, notável construção projetada em 1958 pelo arquiteto Rino Levi, com colaboração do mestre brasileiro Roberto Burle Marx, reconhecido por seus jardins extraordinários. Por meio de um íntimo e excitante diálogo com a arquitetura, um espaço como esse, cujo interior e exterior confundem- se e a luminosidade domina totalmente, abriga esse projeto que não poderia ser mais sedutor para a dupla. Uma verdadeira joia do patrimônio cultural de São Paulo e um tesouro para os amantes da arquitetura, a Residência Castor Delgado Perez tornou-se a essência da transformação da galeria, fundamental para levar cultura a uma área residencial. Graças ao estilo único de Burle Marx ao criar jardins domésticos que invadem e transbordam para os interiores, bem como a nova visão da Luciana Brito Galeria em expor arte contemporânea e se posicionar no contexto urbano a sua volta, as obras dos Campana – em sua maioria concebidas e produzidas para a ocasião – podem ser verdadeiramente exibidas, sem limites, transbordantes.
Na junção entre arte e design, as obras que os fratelli expõem no espaço da Luciana Brito Galeria apresentam uma pluralidade de tipologias de peças, materiais, processos e técnicas, numa variedade que permite entender toda a sua carreira, estabelecendo mais uma vez um diálogo entre as disciplinas de arte e design. Das peças de terracota, uma série de mesinhas de barro de aparência primitiva, um material muito apreciado pelos Campana, ao surreal e selvagem Esse Banco, que inclui os venerados animais de bronze nos dois lados, da luminária Babel, de setenta centímetros, inspirada na natureza, ao vaso Cocar, de quase dois metros de altura, uma peça de aço inox que lembra os cocares indígenas. As peças extravagantes e lendárias dos Campana exploram e ultrapassam limites; nesse conjunto, vemos também a cortina Botânica, feita com um tecido leve e blocos de cores vivas, fúcsia e roxo, além das esculturas de Fernando Campana, onde uma boneca vestida com brinquedos de plástico e, em outra, uma cidade em miniatura serve como a base para um grande vaso côncavo, e o leve e agradável biombo Cerca, um divisor de ambientes que combina bambu e aço inox. Uma série de mesas em tijolos de Cobogó também enriquece o projeto, dito residencial, onde os Campana situam todas as peças necessárias para mobiliar a bela casa/galeria, do sofá dourado Cratera, à entrada, a uma excepcional (e bastante distinta) cama Corallo. Transgredindo as regras do design para encarar as da arte, todos esses objetos ocupam a galeria como se esta fosse uma verdadeira casa.
Em 2024, os irmãos Campana celebram 40 anos de atividade, 40 anos de expressão artística e investigação sem limites, narrados com extrema liberdade em diferentes campos. Desde o início de suas atividades no estúdio, a ideia de design sempre foi peculiar e muito próxima da vida das pessoas reais; a forma de compartilhar, construir juntos, espalhar esperança através da dignidade, levou os Campana a criarem, em 2009, o Instituto Campana, com o qual realizam um programa sólido e efetivo de auxílio à comunidade carente, oferecendo oficinas de artesanato para a produção de objetos especiais e muito mais. Aqui, vemos o design como uma forma de transformação social. O Instituto visa manter e incentivar as tradições locais, ensinando às comunidades carentes que sim, há uma saída – a da criatividade. É reconfortante saber que algumas dessas peças, lindamente trabalhadas, saem de um desses workshops de criatividade, onde ajudar e dar oportunidades não são apenas ideias, mas uma esperança sem fronteiras.
Maria Cristina Didero
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