-
Geraldo de Barros | Objetos-Forma
-
Geraldo de Barros é, sem dúvida, um dos artistas brasileiros mais estudados pela contemporaneidade. Sua trajetória artística desbravou o caminho da multidisciplinaridade, seguindo uma evolução coerente não apenas dentro de sua própria pesquisa, como também com os contextos político, social e da própria história da arte no Brasil. Para celebrar essa história, o Arquivo Geraldo de Barros e Luciana Brito Galeria apresentam a exposição “Objetos-Forma”, que reúne obras inéditas para resgatar um momento fundamental na trajetória de Geraldo de Barros. A mostra abre dia 9 de agosto e ocupa todos os espaços expositivos da galeria.Pensado a partir da participação de Geraldo de Barros na 15a Bienal de São Paulo, em 1979, o conceito curatorial da mostra apresenta, após a exposição no Museu de Arte Moderna e Contemporâneo - MAMCO de Genebra/Suíça, um conjunto de 66 serigrafias inéditas, que resgata a ideia do artista em proporcionar ao público a possibilidade de reproduzir sua própria obra de arte. Na ocasião da Bienal, Geraldo de Barros apresentou cinco pinturas a óleo sobre madeira laqueada de poliuretano, acompanhadas do manifesto “Da retomada de alguns objetos-forma da arte concreta”, que trazia ideias relacionadas à Arte Concreta (Projeto/Objeto-pintura) associadas à possibilidade de produção em larga escala, própria da industrialização. Através desse “manual de instruções”, o artista ofereceu ao público, de forma inédita, não apenas todos os elementos para a reprodução de sua própria obra de arte, mas também uma autorização para que “cada pessoa ou espectador esteja provido dos elementos de cada um dos projetos e possa, também, elaborá-los”[1], eliminando assim o objeto-único.Anos mais tarde, esse projeto serviu de base para um profundo estudo de Geraldo de Barros pelo Arquivo do artista, dando origem às 66 serigrafias intituladas “Objetos-Forma”. A mostra também reúne outros trabalhos que contextualizam essa pesquisa de Geraldo de Barros, como algumas pinturas concretistas dos anos de 1950 e obras em fórmica mais recentes. As fórmicas representam justamente o resultado almejado pelo artista, já que conseguiu de fato utilizar processos industriais para ganhar poder de reprodutibilidade na obra de arte e coloca-las no mercado.A exposição “Objetos-Forma” é uma homenagem a Geraldo de Barros, cujo desejo antigo era associar o objetivismo da Arte Concreta ao requinte do design e a reprodutibilidade da indústria. Ainda na década de 1950, passou a experimentar por meio do trabalho com a Unilabor, uma cooperativa que produziu móveis, seguindo referências construtivistas. Passados anos e com a tomada do país pela Ditadura Militar, o artista se viu quase que impossibilitado de seguir adiante com suas ideias de desprendimento das regras de mercado. Em 1979, com o início da abertura política no Brasil e o fim do boicote às bienais pelos artistas, imbuído do sentimento de liberdade da época e dos reencontros, Geraldo de Barros vislumbrou a possibilidade de realizar o desejo de tornar a arte mais acessível através do projeto conceitual do “faça você mesmo”.
[1] BARROS, Geraldo. “Da retomada de alguns objetos – forma da arte concreta”. XV Bienal Internacional de São Paulo, 1979. Folheto de exposição.
-
"Geraldo de Barros é um homem em ressonância com o mundo. Ele tem o conhecimento de um novo impulso que o impele a usar a liberdade"
Mário Pedrosa
-
-
GERALDO DE BARROS E A RETOMADA DE OBJETOS-FORMA DA ARTE CONCRETA, 1979Em 1979, Geraldo de Barros participou da XV Bienal Internacional de São Paulo com cinco pinturas a óleo sobre madeira laqueada acompanhadas por um prospecto que “ensinava” o público a reproduzir os quadros. As obras retomavam composições criadas na década de 1950, quando o artista atuou no movimento de arte concreta. O folheto era uma espécie de manual de instrução e, ao mesmo tempo, uma autorização para a realização das cópias: “O autor permite a reprodução dos objetos-forma, segundo os protótipos apresentados, obedecendo-se as normas especificadas nos projetos.”
Aquela Bienal tinha um caráter revisionista, pois convidou todos os que haviam sido premiados nas 14 edições anteriores a apresentarem suas produções recentes. Geraldo de Barros havia retomado seus projetos de obras concretas poucos anos antes, mais ou menos na época da exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962), organizada por Aracy Amaral e Lygia Pape no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1977. À época, Barros reimprimiu fotografias da série Fotoformas, em novos tamanhos e formatos, que foram em parte apresentadas em Projeto Construtivo. Aparentemente, a retomada da arte concreta rompia com sua produção pictórica que, desde o início dos anos 1960, flertava com a pop art e a nova figuração.
O folheto trazia também um texto do artista sobre as bases históricas do design industrial e da arte concreta. Ali, Barros deixava claro que o legado da arte concreta é produzir obras que transmitam uma mensagem visual objetiva, que possam ser reproduzidas e, portanto, consumidas em série.
Num primeiro momento, a forma assertiva com que o artista defende a objetividade da arte concreta no prospecto da XV Bienal surpreende pelo fato dele, em 1966 e 1967, ter participado de um grupo tão iconoclasta quanto o Rex Time, que incluía performances e um enfrentamento direto ao sistema das artes no Brasil, em especial ao mercado, bem como pelo tipo de pintura que ele realizou entre 1964 e 1976.Porém, no entendimento de Barros, havia uma relação histórica direta entre a arte concreta, a pop art e a nova figuração, pois essas teriam retomado o problema da reprodutibilidade, tão central para toda arte do século XX, “com extrema violência”. Sua aproximação à pop art é uma atitude crítica em relação ao turbilhão de imagens publicitárias de alto teor persuasivo que invadiram a sociedade via meios de comunicação de massa. A retomada dos objetos-forma da arte concreta na XV Bienal, depois de 15 anos de ditadura, não significava simplesmente uma retomada da aliança entre arte e indústria nos termos dos anos 1950.
Em 1979, poucos meses antes de sua participação na XV Bienal, Geraldo de Barros deu um depoimento um tanto resignado ao jornal Diário de São Paulo: “Pintura para mim é uma forma de pensamento e uma atividade política. Não acredito que essas ideias vão modificar em alguma coisa o status quo existente”. Em pleno regime militar, o artista não esperava mudar a ordem das coisas no Brasil por meio da arte ou do design. Mas, mesmo sabendo que o jogo estava perdido, ele continuou afirmando a importância da dessacralização da arte e de torná-la acessível ao maior número possível de pessoas. A atual edição de seus “objetos-forma” no formato de um conjunto de serigrafias cumpre o papel de resgatar a utopia da reprodutibilidade, a principal força motriz da arte de Geraldo de Barros por quase 60 anos.
Heloisa Espada -
-
-
“A minha proposta de ARTE CONCRETA (1953) não foi outra senão a tentativa de “especificação dum projeto”, no sentido de obter: um PROJETO/OBJETO-PINTURA a ser produzido em grande escala.”Geraldo de Barros, 1979
-
-
Manifesto original em português, distribuído durante a Bienal de São Paulo em 1979.
-
"Da retomada de alguns objetos-forma da arte concreta"
-
-
-
-
“Realizados num contexto de profunda crise econômica e institucional, esses objetos não são mais arte concreta, mas uma reflexão sobre a utopia concreta”.Heloisa Espada 2016
-
Geraldo de Barros
1923, Xavantes, Brasil. 1998, São Paulo, Brasil.Geraldo de Barros é um dos principais nomes da arte brasileira do século XX. Combinando seus primeiros estudos sobre pintura e um interesse posterior em fotografia, ele trabalhou os limites dos processos fotográficos tradicionais, intervindo diretamente no negativo, fazendo múltiplas exposições do mesmo filme, sobreposições, montagens e recortes, questionando as regras clássicas de composição. Apesar da profunda preocupação formal, vista claramente no concretismo brasileiro, do qual Geraldo de Barros participou intensamente, ele conseguiu fundi-la com suas preocupações sociais, o que o levou a abordar os processos industriais em seu trabalho, lidando coerentemente com as construções geométricas, reprodutibilidade, socialização da arte, teoria da forma e design industrial.Geraldo de Barros, ainda aos 26 anos, participou da criação do laboratório e do curso de fotografia no Museu de Arte de São Paulo (MASP), onde apresentou a exposição Fotoformas, em 1950. O artista também foi um dos principais atuantes do Foto Cineclube Bandeirante, espaço que marcou a experimentação em fotografia no Brasil. Em 1951, participou do HfG - Hoschule für Gestaltung (Escola de Formas) em Ulm, Alemanha. Foi também um dos fundadores do Grupo Ruptura (1952) e Grupo Rex (1966) e participou da 1ª, 2ª, 9ª, 15ª e 21ª Bienal de São Paulo e da Bienal de Veneza (Itália), em 1986. Entre diversos projetos nacionais e internacionais, as obras de Geraldo de Barros tiveram participação póstuma em diversas exposições. Em 2014, o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, organizou a retrospectiva do artista e, no ano seguinte, a mesma exposição foi exibida no SESC Belenzinho, em São Paulo. No ano de 2017, a Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva em Lisboa (Portugal) e a Document Gallery, em Chicago (EUA), realizaram mostras individuais do artista, seguidas por outras na Side Gallery, em Barcelona (Espanha), em 2018, Kurst und Kulturstiftung Opelvillen, em Rüsselsheim (Alemanha). Mais recentemente, em 2021, o Itaú Cultural apresentou mostra individual, enquanto em 2022, o Museé d’Art Moderne et Comtemporain – MAMCO, na Suiça, realizou a maior retrospectiva do artista na Europa. Seu trabalho faz parte de coleções como a Fundação de Arte Cisneros Fontanals, Fundo de Arte do Estado de Genebra, Fundação Bienal de São Paulo, Instituto Inhotim, Museu Ludwig, Fundação Max Bill, Museu Max Art, Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Belas Arte, Museu de Arte de São Paulo, MoMA Nova York, Tate Modern Inglaterra, Photographer’s Gallery Ingaterra, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museo de Arte Latino Americana de Buenos Aires, etc. -